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terça-feira, 31 de maio de 2011
Mulher vai fazer endoscopia e sai de hospital sem braço direito
Em 2009, uma vendedora do interior do estado de São Paulo entrou num hospital filantrópico da capital paulista para fazer um exame gastrointestinal, mas saiu de lá sem parte do braço depois de tomar uma injeção no pulso direito. A mulher se queixou de dores na região durante todo o dia 27 de abril daquele ano. Na manhã seguinte, seu membro não tinha mais circulação sanguínea. Foi constatada trombose no local e, após vários tratamentos sem solução, não restou outra alternativa aos médicos: eles amputaram o antebraço da paciente em 7 de maio.
Até sexta-feira (26) o Hospital Santa Marcelina, em Itaquera, na Zona Leste, não sabia explicar a Rosely Viviani, de 48 anos, como foi possível ela ter se internado para uma endoscopia (exame que introduz cânula com câmera pela boca do paciente para se verificar doenças gastrointestinais) e dez dias depois ter um membro aparentemente saudável retirado.
Rosely só havia ido ao Santa Marcelina porque semanas antes teve diagnosticado câncer no útero e ovário e precisava fazer a endoscopia pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para saber se tinha mais tumores em outros órgãos - o que não se comprovou. “Entrei no hospital com o meu braço e saí de lá sem ele. E até hoje ninguém me disse o que ocorreu”, disse a mulher, em entrevista ao G1 concedida em sua casa em Cerquilho, no interior de São Paulo. Ela é separada e mora com o filho André Luiz, de 11 anos. “Me disseram que tiveram de amputar do cotovelo para baixo senão eu ia morrer. Era meu braço ou minha vida.”
Em busca de respostas, uma comissão interna do próprio hospital e uma sindicância do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) apuram o caso de Rosely para saber se houve erro médico. Existe a suspeita de que uma enfermeira tenha aplicado o sedativo para a realização da endoscopia na artéria em vez da veia. O remédio foi dado por meio de uma agulha, que já havia sido introduzida no pulso da paciente para ministrar outros medicamentos.
“Ela aplicou a injeção na artéria e não na veia. Fora isso, demoraram para ouvir meus pedidos de que eu estava com dor e havia algo errado. Passei mais de um dia com o braço dolorido”, lembrou Rosely.
Hospital e Cremesp também deverão verificar se ocorreu demora no atendimento de Rosely. A vítima se queixou que logo que tomou Diazepan no braço se queixou de dores, mas só foi socorrida 26 horas depois. “Eu chorava de dor, mas ninguém me atendia. Aí já era tarde. Não havia mais circulação sanguínea no braço. As pontinhas dos dedos começaram a ficar pretas, depois começou a escurecer na altura do pulso”, afirmou a mulher.
Caso haja comprovação de algum tipo de erro por parte do hospital, os médicos poderão ser punidos com suspensão administrativa pelo hospital ou até ter a licença para exercer a profissão cassada pelo Cremesp. Como o caso envolve uma enfermeira, o Conselho Regional de Enfermagem (Coren) em São Paulo também foi procurado para comentar se apurava a denúncia. A assessoria de imprensa do conselho informou que não havia registro sobre o caso.
A outra hipótese que é apurada pelo Santa Marcelina e Conselho de Medicina é que o próprio organismo da mulher tenha reagido de forma inesperada a algum remédio. Se for constatada essa possibilidade, a equipe médica hospitalar é inocentada.
Ação indenizatória
Quase um ano depois da amputação, Rosely registrou queixa na Polícia Civil contra o Hospital Santa Marcelina, mas nenhuma investigação foi feita para apurar o que ocorreu com ela. “A declarante foi orientada a instruir ação civil, já que o prazo decadencial de seis meses para oferecer representação pela lesão corporal que sofreu expirou-se”, escreveu uma delegada num boletim feito na capital.
Sem dinheiro para pagar um advogado, Rosely procurou a Defensoria Pública, que entrou na Justiça com uma ação indenizatória por danos morais e materiais em favor da vítima cobrando R$ 1,2 milhão do hospital e do Governo de São Paulo. A Defensoria entende que ocorreram falhas no procedimento médico e demora no atendimento à paciente.
“Houve erro médico porque há indicativos nas provas obtidas de que houve falha e demora no atendimento e procedimento de aplicação. Essa ação de indenização proposta pela Defensoria visa ressarcir a vítima pelos prejuízos sofridos. Ela teve danos materiais e morais”, disse a defensora Renata Flores Tibyriçá, coordenadora da unidade da Fazenda Pública na capital paulista.
De acordo com a defensora, a ação também é contra o Estado porque, segundo ela, todo paciente com câncer atendido pelo SUS precisa de atendimento médico de alta complexidade e isso é responsabilidade do governo.
“Uma pessoa entra para fazer tratamento de câncer e sai sem braço? Isso é um absurdo”, disse Renata Tibyriçá, que pede uma prótese de mão e antebraço, além de um carro adaptado e uma pensão para o filho dela, caso Rosely venha a morrer. A mulher ainda realiza quimioterapia para conter o avanço do câncer. Ela já passou por cirurgia para retirar útero e ovários.
“Continuo fazendo quimioterapia, mas tenho certeza de que o que ocorreu com o meu braço não teve a ver com a doença. Eu não tive câncer no braço, era no útero e ovários”, disse Rosely, que deixou de trabalhar por conta da deficiência. Ela usava o carro, um Gol ano 1995, para comercializar roupas, mas, sem poder dirigir, vendeu o veículo por R$ 7 mil em dezembro de 2010. O dinheiro está servindo para pagar algumas parcelas das mensalidades da faculdade de pedagogia, que decidiu fazer após a amputação. Antes, ela cursava letras, mas desistiu ao entrar em depressão por conta da perda do membro.
Atualmente, ela recebe um salário mínimo por mês de um plano do Governo federal. “É um auxílio doença”, disse a mulher, que improvisou uma tipoia azul, daquelas usadas para apoiar um braço quebrado, no membro amputado. “Eu uso para esconder o dano que me causaram. Tenho vergonha de mim. Tenho vergonha de sair na rua. Ainda não superei o trauma.”
Rosely não usa mais maquiagem nem deixa o cabelo crescer acima da altura dos ombros.
“Perdi a vaidade”, afirmou a mulher, enquanto mostrava uma foto produzida dela tirada em Campinas. “Eu tinha 27 anos. Usava batom. Namorava e pensava em casar. Não tinha esse cotoco e essa cicatriz feia no cotovelo. Você acredita que às vezes acordo pensando que ainda tenho a mão direita? Eu consigo ter a sensação de mexer os dedos, os nervos estão aqui, mas os dedos não estão.”
O filho André Luiz ajuda a mãe nas atividades domésticas e a incentiva a escrever. “Eu era destra, agora tive de aprender a escrever com a mão esquerda. A letra ainda sai um pouco feia, tremida, mas estou melhorando a caligrafia”, disse a mulher, que torce por uma decisão judicial favorável.
“Eu quero a indenização. Lógico. É o meu direito. Não sei quanto tempo isso vai levar, mas espero que a Justiça seja feita. Só espero que não seja depois de eu morrer porque ainda tenho essa luta contra o câncer. Quero uma prótese mecânica para poder voltar a abraçar meu filho e amarrar meus tênis sozinha novamente. Quero ter um carro adaptado para voltar a trabalhar vendendo roupas como antes. Quero o que tiraram de mim de volta. Quero minha vida pacata e simples.”
A Justiça ainda analisa o pedido da indenização. De acordo com a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça, “a ação, que deu entrada em 11 de fevereiro deste ano, está em andamento na 4ª Vara da Fazenda Pública da capital". "Não há decisão a respeito do caso.”
Fonte: G1
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